A relação dos portugueses com a cultura do empreendedorismo tem o seu quê de curioso. Adoramos dizer que o empreendedorismo é importante e que Portugal está na moda para quem quer investir e criar novas empresas, mas nem sempre vamos além de uma visão caricatural sobre o fenómeno.
Em primeiro lugar, há que desmistificar o próprio conceito de empreendedorismo. Para se ser empreendedor não é preciso criar uma start-up, andar vestido à Paddy Cosgrove ou repetir termos anglo-saxónicos para descrever conceitos para os quais existem, há séculos, as palavras adequadas na lÃngua portuguesa. Pelo contrário, empreender está ao alcance de todos, pois empreender é criar algo que ajude a melhorar a nossa vida e as dos outros. É possÃvel ser-se empreendedor ao abrir um café, um restaurante, uma oficina ou uma lavandaria. Mais: é possÃvel ser-se empreendedor trabalhando por conta de outrem ou, pasme-se, para o próprio Estado.
Em segundo lugar, temos de aceitar, como povo, que o fracasso faz parte da vida e que devemos procurar aprender com os erros. Não por acaso, a lista de empreendedores que fracassaram no inÃcio das suas carreiras inclui nomes como Bill Gates, Steve Jobs ou Richard Branson. Três grandes empreendedores que falharam, por vezes de forma estrondosa, antes de serem bem sucedidos nos seus projetos.
Em Portugal geralmente não compreendemos isto e os empresários que falham têm muita dificuldade em voltar à mó de cima. Por cá, Steve Jobs não teria a menor hipótese de construir um gigante tecnológico depois de o seu primeiro computador, o Apple I, ter vendido apenas 175 unidades. Muito provavelmente, os bancos fechar-lhe-iam as portas e os business angels (alguns com dinheiros públicos) não perderiam tempo com um miúdo sem números para mostrar e um mega-falhanço no currÃculo.
Em terceiro lugar, faz falta separar o trigo do joio. Neste capÃtulo, a comunicação social nem sempre ajuda (e eu, como jornalista, assumo a minha quota parte de responsabilidade). Quando surgem, as empresas inovadoras e com perspetivas favoráveis são frequentemente retratadas pelos media de forma acrÃtica, como projetos automaticamente votados ao sucesso, através de reportagens e entrevistas onde apenas se referem montantes de investimento e estimativas de receitas. Como se levantar capital fosse, por si só, sinónimo de sucesso e não um meio para atingir determinado fim.
Mais tarde, muitas dessas empresas vão à falência e a mesma imprensa que antes as incensara apressa-se a retratá-las como falhanços anunciados, por vezes exagerando a dimensão do fracasso e quase que a alertar o público para o perigo de ousar criar algo.
Em "O Jornal Económico" - http://www.jornaleconomico.sapo.pt/noticias/empreender-236914